Resumo
Este guia apresenta uma forma estruturada de pensar a conexão entre a estratégia de uma organização e sua arquitetura corporativa. Ele propõe um encadeamento lógico de etapas que ajudam a interpretar os objetivos estratégicos e traduzi-los em mudanças estruturais, organizacionais e tecnológicas.
Na prática, esse guia serve como base metodológica para a condução de diagnósticos, formulação de hipóteses de transformação e planejamento de roadmaps organizacionais.
Contexto
Toda estratégia, para ser implementada, exige mudanças — e essas mudanças precisam de uma base organizacional e tecnológica para acontecer.
No cenário atual, não existe transformação de negócio que não seja, também, uma transformação arquitetural. Isso porque qualquer iniciativa estratégica impacta ou depende de pessoas, processos, sistemas, dados e estruturas organizacionais.
Este conceito visa estruturar o ponto de partida do trabalho, ajudando a consultoria a entender o que a organização quer alcançar e o que precisa ser desenhado, adaptado ou criado para isso acontecer.
Descrição do processo
Etapa 1 — Coletar e interpretar os objetivos estratégicos
Objetivo da etapa:
Compreender onde a organização quer chegar e o que ela acredita que precisa fazer para isso acontecer. Esse entendimento será a base para inferir os impactos organizacionais e arquiteturais.
Como executar
1. Agende entrevistas com os principais líderes da empresa
- Priorize C-Level, heads de áreas estratégicas (ex: marketing, operações, tecnologia)
- Se o cliente tiver materiais estratégicos formais (BSC, OKRs, planejamento anual), solicite antecipadamente
2. Utilize um roteiro de perguntas estratégicas
Monte uma entrevista estruturada com foco em:
- Quais são os objetivos da empresa para os próximos 12 a 36 meses?
- Como esperam alcançar esses objetivos? Há planos já traçados?
- Quais mudanças precisam ocorrer internamente?
- Quais restrições ou riscos estão no radar?
Importante: use perguntas amplas, intermediárias e específicas, sempre buscando concretude: metas, canais, mercados, processos-chave, produtos, indicadores.
3. Use uma ficha de coleta estruturada
Crie uma planilha ou template com colunas como:
Objetivo Estratégico | Horizonte de Tempo | Métricas ou Indicadores | Impactos Esperados | Observações |
---|---|---|---|---|
Ex: Escalar canal digital | 12 meses | +30% leads digitais | Atendimento, marketing, tecnologia | Falta integração atual |
4. Capture palavras-chave e termos estratégicos do cliente
- Registre como o cliente se refere aos desafios e objetivos: esses termos serão úteis na comunicação futura
- Ajuda a criar aderência na apresentação de resultados (“falamos a linguagem deles”)
Saída esperada desta etapa:
- Um inventário de objetivos estratégicos claros e priorizados
- Uma base estruturada de hipóteses que servirá de insumo para os próximos passos
- Termos e narrativas que facilitarão a comunicação executiva com a alta liderança
Ferramentas sugeridas:
- Template: Roteiro de Entrevista Estratégica
- Template: Ficha de Coleta de Objetivos Estratégicos
- Opcional: Documento de Resumo Executivo com “O que ouvimos da liderança”
Etapa 2 — Mapear o impacto estratégico sobre o negócio
Objetivo da etapa:
Traduzir os objetivos estratégicos da organização em mudanças necessárias no funcionamento do negócio: estrutura, capacidades, processos, competências e relacionamentos. Essa tradução prepara o terreno para mapear os impactos arquiteturais (próxima etapa).
Como executar
1. Para cada objetivo estratégico, questione: “O que precisa mudar no negócio para que isso aconteça?”
Conduza reflexões junto aos líderes ou interprete com base nas entrevistas.
Use perguntas como:
- Quais áreas do negócio precisarão se adaptar?
- Que novos processos ou rotinas serão necessários?
- Haverá mudanças na forma de se relacionar com clientes, fornecedores ou parceiros?
- Que competências ou perfis precisarão ser desenvolvidos?
Exemplo aplicado:
Objetivo: “Expandir vendas em canais digitais”
Impacto: Necessidade de novas capacidades (marketing digital, atendimento remoto), reestruturação de processos de onboarding e integração de CRM com ERP.
2. Organize os impactos por dimensão de negócio
Use categorias como:
Dimensão | Exemplos de impacto estratégico |
Capacidades | Criar capacidade de atendimento digital |
Processos | Redesenhar jornada de vendas |
Estrutura organizacional | Criar nova célula de inteligência de mercado |
Relacionamentos | Estabelecer novos canais com parceiros externos |
Competências/pessoas | Contratar ou treinar equipe de suporte internacional |
Isso prepara o consultor para dialogar com áreas impactadas e modelar o design de negócio na etapa seguinte
3. Monte uma tabela de “Objetivo ↔ Mudança no Negócio”
Objetivo Estratégico | Mudanças no Negócio |
Escalar produto SaaS para PMEs | Novo onboarding digital, suporte 24/7, precificação escalável |
Reduzir custo operacional em 15% | Automação de processos, reestruturação de área de compras |
Expandir atuação na América Latina | Atendimento multilíngue, sistemas multi-moeda, CSC regional |
4. Valide hipóteses com os principais stakeholders
- Apresente um resumo dos impactos para os líderes entrevistados na etapa anterior
- Peça feedback: “Faz sentido?” “Algo foi ignorado?” “Há algo a reforçar?”
- Isso gera engajamento e legitimidade para os próximos passos
Saída esperada desta etapa:
- Mapeamento estruturado de impactos estratégicos sobre o negócio
- Conjunto de hipóteses que fundamentam a modelagem de capacidades, processos e estrutura organizacional (próxima etapa)
- Pontos de atenção para mudança organizacional (resistências, dependências, prioridades)
Ferramentas sugeridas:
- Template: Mapeamento de Impactos Estratégicos sobre o Negócio
- Modelo visual: Matriz Estratégia ↔ Design de Negócio
- Documento intermediário: “Resumo de Mudanças no Negócio por Objetivo Estratégico”
Etapa 3 — Iniciar uma modelagem visual da arquitetura afetada
Objetivo da etapa
Traduzir os impactos estratégicos no negócio em representações visuais simples, que ajudem a demonstrar quais elementos da arquitetura corporativa serão afetados ou precisarão evoluir para viabilizar a estratégia.
Essa etapa dá forma concreta à conexão entre estratégia e estrutura, e serve de base para mapeamento do AS-IS, TO-BE e do roadmap.
Como executar
1. Selecione os elementos de arquitetura a serem representados
A partir dos impactos mapeados na etapa anterior, classifique-os segundo as camadas da arquitetura corporativa:
Camada | Exemplos de impacto |
Negócio | Capacidades, processos, estrutura organizacional |
Aplicações | CRM, ERP, portais, ferramentas digitais |
Dados | Estrutura, acesso, integração e governança |
Tecnologia | Infraestrutura, nuvem, segurança, dispositivos |
Dica: você ainda não precisa representar o AS-IS nem o TO-BE completo, apenas esboçar os pontos sensíveis e impactados.
2. Construa um diagrama de blocos para facilitar a visualização
Use ferramentas simples (Lucidchart, Miro, PowerPoint, Draw.io, etc.) e organize os blocos de forma horizontal ou vertical:
Exemplo de estrutura visual básica:
Objetivo Estratégico: Escalar canal digital
NEGÓCIO | Aumentar capacidade de atendimento digital |
PROCESSOS | Redesenhar onboarding digital |
APLICAÇÕES | CRM, sistema de onboarding, chat integrado |
DADOS | Histórico de leads, integração com ERP |
TECNOLOGIA | Infraestrutura cloud, autenticação |
O objetivo aqui não é “documentar arquitetura”, mas ilustrar como ela será impactada pela estratégia.
3. Use cores ou ícones para indicar pontos críticos ou com baixa maturidade
- Destaque áreas que já foram mapeadas como fragilidades
- Sinalize onde há dependências cruzadas
- Pode usar semáforo (vermelho, amarelo, verde), destaques ou rótulos como “Novo”, “Atualizar”, “Integrar”
4. Crie uma versão executiva (resumo visual)
Monte um slide ou quadro único com:
- Objetivo estratégico no topo
- Camadas com os principais blocos afetados
- Observações relevantes (ex: dependência técnica, ausência de capacidade, legado)
Essa visão será um artefato poderoso para comunicações com o board ou comitês técnicos.
Saída esperada desta etapa:
- Mapa visual preliminar da arquitetura impactada por cada objetivo estratégico
- Representação tangível da relação estratégia ↔ arquitetura
- Ferramental para comunicar visualmente com clareza executiva
- Base para aprofundar o diagnóstico AS-IS e projetar o TO-BE
Ferramentas sugeridas:
- Template: Diagrama Estratégico por Camadas
- Modelo visual: Mapa de Impacto Arquitetural por Objetivo
- Painel de anotações: “Pontos Críticos e Lacunas por Camada”
Etapa 4 — Identificar interdependências e travas estruturais
Objetivo da etapa:
Mapear barreiras, dependências e fragilidades estruturais que podem impedir ou dificultar a execução da estratégia, mesmo quando os objetivos e as ações estratégicas estão bem definidos.
Essa etapa dá início à leitura crítica da arquitetura atual e começa a antecipar o que precisará ser enfrentado no roadmap.
Como executar
1. Analise o que já foi representado nas camadas da arquitetura (Etapa 3)
Para cada bloco ou elemento representado:
- Há restrições técnicas ou operacionais?
- Há algum sistema legado envolvido?
- Existem processos que hoje são manuais, descentralizados ou inconsistentes?
- A estrutura organizacional atual permite a mudança?
OBS: faça essa análise com apoio dos responsáveis técnicos ou gestores de cada área. Ou, minimamente, revise com eles após documentar.
2. Classifique os tipos de travas ou barreiras
Organize as travas por natureza para facilitar a análise e a comunicação:
Tipo de Trava | Exemplos |
Tecnológica | Sistemas não integrados, limitações de infraestrutura, dependência de fornecedor |
Organizacional | Equipes sobrecarregadas, ausência de papéis, silos funcionais |
Processual | Processos não formalizados, excesso de exceções, baixa rastreabilidade |
Dados | Falta de padronização, redundância, baixa confiabilidade |
Governança | Falta de critérios claros de priorização ou decisão |
Cultural | Resistência à mudança, baixo engajamento, “ilhas” de pensamento |
Essa classificação será útil na fase de elaboração do GAP e do roadmap.
3. Monte um painel de “pontos críticos”
Estruture uma matriz simples por camada ou por objetivo estratégico:
Camada / Área | Trava Identificada | Tipo | Impacto Potencial | Observação |
Aplicações | CRM não integrado ao ERP | Tecnológica | Alto (impacta vendas) | Solução em análise |
Dados | Lead duplicado em diferentes sistemas | Dados | Médio (atrapalha visão) | Requer unificação |
Estrutura Organizacional | Equipe de onboarding sem papéis definidos | Organizacional | Alto | Precisa reestruturação |
4. Valide com as áreas e registre dependências críticas
- Algumas travas podem ter solução rápida, outras exigem projeto estruturado
- Registre dependências externas (ex: fornecedor, decisão do board, nova contratação)
- Apresente para os responsáveis a lista de travas e dependências e peça contribuições
Isso reforça o compromisso conjunto com a transformação e antecipa riscos do projeto
Saída esperada desta etapa:
- Inventário de travas, gargalos e interdependências estruturais
- Classificação por tipo e impacto
- Base para elaboração do diagnóstico AS-IS crítico e do GAP arquitetural
- Insumos diretos para priorização futura no roadmap
Ferramentas sugeridas:
- Template: Matriz de Travas Estruturais por Camada
- Painel de Interdependências Críticas
- Documento intermediário: “Lista de Restrições Arquiteturais Mapeadas”
Etapa 5 — Diagnóstico Arquitetural AS-IS
Objetivo da etapa
Compreender em profundidade como a organização funciona hoje, em termos de estrutura, processos, sistemas, dados e tecnologia — para ter uma visão clara da realidade atual que sustenta (ou limita) a execução da estratégia.
Como executar
1. Defina o escopo do diagnóstico
- Baseie-se nas camadas e áreas identificadas nas etapas anteriores (impactos estratégicos e travas)
- Determine quais capacidades, processos, sistemas e estruturas serão analisados
- Alinhe esse escopo com os líderes e stakeholders envolvidos
2. Escolha o método de coleta
Use uma combinação de:
- Workshops e entrevistas com responsáveis pelas áreas
- Análise de documentação existente (organogramas, mapas de processo, catálogos de sistemas)
- Observação direta (se aplicável)
- Instrumentos próprios da consultoria (checklists, frameworks, questionários)
Dica: use a linguagem do negócio. Fale de “como funciona hoje”, “quem faz o quê”, “por onde passam os dados”, etc.
3. Coleta por camada (TOGAF ou modelo próprio)
Organize o diagnóstico em camadas ou dimensões:
Camada/Domínio | Itens observados | Ferramentas de apoio |
---|---|---|
Negócio | Capacidades, estrutura organizacional, papéis | Organogramas, RACI, entrevistas |
Processos | Principais fluxos de valor | Value streams, SIPOC, BPMN (simples) |
Aplicações | Sistemas, integrações, pain points | Catálogo de aplicações, mapa de sistemas |
Dados | Fontes, estrutura, redundâncias, confiabilidade | Dicionários de dados, modelagem conceitual |
Tecnologia | Infraestrutura, cloud, segurança, acessos | Inventários técnicos, mapa de redes |
4. Registre o AS-IS em artefatos visuais
- Use mapas, quadros, fluxos e diagramas simplificados para representar o funcionamento atual
- Destaque o que funciona bem, o que não atende e o que está ausente
- Esses materiais servirão de base para comparação com o TO-BE
Saída esperada desta etapa:
- Representação visual e descritiva do estado atual da organização (AS-IS)
- Registro das fragilidades e pontos fortes
- Insumos para construção do GAP e do roadmap
Ferramentas sugeridas:
- Template: Estrutura de Diagnóstico Arquitetural
- Painel: Fotografia do Estado Atual (por camada)
- Modelo: Documento-Mapa do AS-IS Consolidado
Etapa 6 — Identificação e Avaliação do GAP Arquitetural
Objetivo da etapa:
Comparar a situação atual (AS-IS) com as necessidades impostas pela estratégia (TO-BE), para identificar o que precisa ser criado, modificado, reestruturado ou eliminado. Este é o ponto de partida do roadmap.
Como executar
1. Revisite o que foi mapeado como necessidade estratégica
- Retome os objetivos estratégicos, os impactos no negócio e as hipóteses de TO-BE
- Para cada uma dessas necessidades, verifique:
- A estrutura atual já atende?
- Atende parcialmente?
- Ou não atende de forma alguma?
- A estrutura atual já atende?
2. Monte uma tabela comparativa AS-IS vs TO-BE
Organize por camada ou por objetivo estratégico:
Camada / Elemento | Situação Atual (AS-IS) | Necessidade (TO-BE) | GAP Identificado |
Atendimento Digital | Atendimento 100% humano, horário comercial | Canal 24/7 com chatbot e CRM integrado | Falta de automação e integração |
Dados de Cliente | Informações espalhadas em 3 sistemas | Visão unificada para decisões estratégicas | Precisa de unificação e governança |
Estrutura Organizacional | Suporte e vendas na mesma equipe | Equipes dedicadas e especializadas | Reorganização estrutural |
3. Classifique os GAPs por criticidade e complexidade
Use uma matriz simples:
GAP | Criticidade | Complexidade | Prioridade Inicial |
Ausência de integração CRM | Alta | Média | Alta |
Falta de equipe de dados | Média | Alta | Média |
Sistema legado no financeiro | Alta | Alta | Alta |
Isso ajudará na definição de fases do roadmap e na gestão de riscos.
4. Valide os GAPs com stakeholders
- Apresente os principais GAPs em reuniões executivas ou comitês técnicos
- Peça validação e ajuste de prioridades
- Isso alinha expectativas e legitima a transformação
Saída esperada desta etapa:
- Inventário de GAPs estruturais e organizacionais
- Análise de esforço x impacto para priorização
- Base completa para construção do roadmap estratégico e do painel arquitetural
Ferramentas sugeridas:
- Template: Matriz de GAP Arquitetural
- Modelo: Painel de Avaliação e Priorização de GAPs
- Documento: Relatório de Lacunas e Recomendações
Exemplo de aplicação real
Cenário:
Uma consultoria inicia projeto com uma rede de clínicas médicas cujo objetivo estratégico é “aumentar em 40% a receita vinda de canais digitais”.
Aplicação do raciocínio:
- Interpretação da estratégia → Expansão digital, foco em autoatendimento e captação online
- Impacto no negócio → Reformular jornada do paciente, canal de triagem digital, nova estrutura de atendimento
- Modelagem inicial → Capacidade: Atendimento Digital. Camadas impactadas: Processos, Aplicações (agenda, prontuário), Dados (histórico centralizado)
- Interdependências → Agenda digital não se comunica com o sistema de prontuário
- Engajamento → Envolvimento de líderes de operações, TI, atendimento e marketing
- Diagnóstico AS-IS → Mapas de processo, fluxos de atendimento e estrutura tecnológica atual
- GAP → Necessidade de integração, automação, reorganização de equipe
Analogias e metáforas
- Estratégia é o destino, arquitetura é a estrada: a conexão entre elas define se a jornada será eficiente ou caótica.
- Diagnosticar sem arquitetura é como planejar um prédio sem engenheiro: sabe-se o que quer, mas não se garante que será possível construir.
Perguntas frequentes
Q1: Posso começar o projeto sem um planejamento estratégico formalizado?
Sim. Se a empresa não tiver o plano estruturado, ele pode ser interpretado com base em entrevistas, hipóteses e documentos existentes.
Q2: Preciso usar notações formais (ex: ArchiMate, UML)?
Depende. Representações visuais simples e compreensíveis são mais eficazes nume primeira etapa, com público executivo. Mas na medida que avançamos para os mapeamentos de processos da arquitetura corporativa, notações formais são importantes ferramentas.
Q3: E se os líderes não enxergarem relação entre a estratégia e a arquitetura?
Mostre os impactos concretos: “para escalar digitalmente, será necessário integrar, automatizar, reestruturar”. A estratégia depende da estrutura.